No filme Chuchelo (O Espantalho, de Rolan Bykov), a figura de Cristo é convocada em vários momentos protagonizados pela personagem de Lena - não a personagem "Lena" que a actriz Christina Orbakaite representa, mas sim a personagem desempenhada, dentro do filme, pela própria personagem "Lena".
Lena toma sobre si a culpa do outro (Dima). O mesmo outro que exibia um amor por ela, mas que não consegue, a final, assumir a sua culpa e, como Pedro, nega Lena três vezes. Pedro a um tempo e Judas a outro, é também Dima quem se torna o agente do castigo imposto ao espantalho: é ele quem lhe pega fogo. Mas se os perseguidores de Lena são o primeiro rosto da humanidade, Dima é ainda mais perturbador, pois é o que se esconde por detrás dessa primeira face, o que em nós mora mais fundo. Dentro de Dima, dentro de nós, apenas mora o medo. É isso que nele nos perturba tanto; porque, na lição de outro espantalho (depois de Roosevelt), "nada há a temer, senão o próprio medo". O nosso medo. Assim, Dima é um Judas diferente, muito mais próximo de nós. Judas actuou sob o domínio de um outro poder, ao qual se abriu (Jo, 13, 27). Dima é apenas ele mesmo. Judas, depois de comer o pão que partilhou com os companheiros, afastou-de deles para entrar no mundo das trevas (Jo, 13, 30). Dima não se afasta, pelo contrário, ele procura os companheiros: porque é humano, traz as trevas dentro de si.
O jovem Dima mostra-se cobarde e fraco. Não é capaz de carregar o fardo que ele próprio fez questão de levantar e vê Lena carregá-lo por si. Não o atormenta verdadeiramente que Lena o carregue, mas sim a ideia de que ele mesmo o deveria fazer e não é capaz. Porque o próprio Cristo, afinal, é a maior garantia de fracasso da redenção: a sua assunção do fardo dos nossos pecados redime, mas não renova ou corrige. Ao ver Lena carregar o seu fardo, Dima descansa. Esta visão impressiona-o e comove-o, mas só uma outra poderia verdadeiramente transformá-lo: a visão de si mesmo ausente, a imagem de si não estando no lugar onde deveria estar. Como Cristo, Lena esconde-nos de nós mesmos e dá vida aos nossos pecados.
Disse que Dima não se vê a si mesmo como ausente - i. e., não vê a sua ausência, usa Lena para a esconder de si próprio. Já a sua presença ele vê, mas só com os olhos dos outros. É por isso que é tão mais fácil ser corajoso quando os outros nos vêem e nos empurram: porque, na verdade, com eles repartimos o peso que exibimos como se fora apenas nosso. Usamos as costas de todos para aguentar aquilo que proclamamos ser o nosso peso. É o truque do alfaiate valente (Irmãos Grimm): aparentamos carregar a árvore, segurando-lhe os ramos, enquanto o gigante, sem o perceber, faz verdadeiramente todo o trabalho. Só que, embora recorrendo ao mesmo truque, Dima é um alfaiate medroso. A verdadeira cruz - a de Lena, como a de Cristo - é a que carregamos quando todos nos olham, mas ninguém nos vê. E é mesmo desses olhares que ela se faz: porque nada pesa tanto em nós como olhares vazios de compreensão.
Lena, já ressuscitada, perdoa Dima. Mas este perdão é afinal apenas uma formalidade e surpreende somente aqueles (os colegas arrependidos) que nada viram e continuam a nada ver. Porque a redenção veio antes, quando o espantalho ardeu na cruz. É por esse sacrifício que a culpa dos outros ardeu. Daí poderia vir a salvação para os colegas de Lena. Mas não vem - são eles mesmos que o asseguram.
Os colegas crucificam e queimam o espantalho, mas não Lena. Claro que Lena é o espantalho e ela arde na cruz. Claro que Dima sabe que é ele quem deveria ser castigado. Por isso, os seus gritos podem ser interpretados, a uma primeira luz, como o terror de quem vê Lena na cruz. Uma leitura mais profunda, porém, revela um significado mais desolador: como repetem os colegas, Lena não percebeu que aquilo era apenas "uma brincadeira". Mas eles continuam cegos. E não porque aquilo não fosse uma brincadeira, mas precisamente porque o era. A brincadeira significava que Lena só arderia simbolicamente, só o espantalho que a representa foi crucificado, não ela. Mas é precisamente esse o seu pânico. Porque a esperança para a humanidade tem de vir da prova de que a pessoa pode sobreviver à cruz. É só vendo, por exemplo, que São Policarpo, rodeado pelo fogo, não foi queimado, que podemos constatar que esse fogo que o deveria queimar, na verdade, o purifica. E só percebendo isso tomamos consciência de que, embora a ressurreição de Cristo depois da cruz só seja possível porque traz Deus em si, ela representa um novo caminho para os homens e mulheres porque é como ser humano que ele morreu e renasceu. Ao negarem a Lena esta possibilidade - a de sofrer, como Lena, o castigo injusto, infligindo-o apenas ao seu espantalho - os colegas negam verdadeiramente a promessa de redenção para a humanidade. Por isso, nesta leitura, o grito de Lena e o gesto de segurar a cruz a arder são muito mais a atitude de quem sabe que deveria arder ali, e não a de quem quer fugir.
Porque a hipótese de redenção fracassou, Lena vai embora, para um lugar "aonde os outros não a poderão seguir" (Jo, 13, 36). E, assim, O espantalho aparece como uma oportunidade de nos maravilharmos com o percurso de Cristo, mas também de lamentarmos a humanidade a quem ele se dirige.