Na série de animação One Piece (Eiichiro Oda), Luffy é o pirata capitão do navio Going Merry (primeiro) e do Thousand Sunny (depois). Navega à procura do tesouro One Piece, que, alegadamente, o tornará rei dos piratas, acompanhado dos amigos que vai recrutando para a sua tripulação.
De que se faz a amizade? Diferentemente de Ahab, Nemo ou Hook, o capitão Luffy não pretende engolir a tripulação com o sonho que o lança ao mar – o de se tornar o rei dos piratas. Para aqueles, quem os acompanha deve abandonar os seus sonhos, desejos ou ambições. As vontades dos que os seguem diluem-se no propósito comum de matar Moby Dick ou Peter Pan. Tudo ao invés com Luffy: a condição de embarcar no Going Merry ou no Thousand Sunny é a de trazer os próprios sonhos consigo, não a de os abandonar. O projecto de Ahab esmaga qualquer divergência, apaga qualquer caminho que não leve à baleia branca. O de Luffy precisa de todos os diferentes caminhos que os seus companheiros traçarão, só ganhando vida nessa divergência.
Luffy não pretende verdadeiramente chegar a um lugar concreto. One Piece é o tesouro que procura, mas não está sequer preocupado em descobrir se ele realmente existe – mais exactamente, a sua preocupação é justamente a de não o saber. O tesouro é o pretexto para a viagem, dá-lhe o propósito, mas não o conteúdo; oferece-lhe um destino a alcançar, mas deixa-he oceanos para percorrer até lá. A viagem de Luffy faz-se de muitas viagens, e se a procura do tesouro é o que as une, ela só ganha sentido enquanto motivo para todos se juntarem e perseguirem os próprios sonhos. Ninguém abdica do seu percurso para encontrar o One Piece, porque este é, ao contrário, o tesouro que cada um deles vai encontrar no fim da sua viagem individual.
O que oferece Luffy aos amigos? Nemo e os outros pagam aos tripulantes com uma meta, um objectivo comum. Luffy, ao invés, retribui com a viagem. O seu objectivo é um ideal que ele mesmo não tem grande pressa em alcançar: o importante é a aventura. Mas não exige aos outros que troquem por isso as suas ambições: elas são condição para viajarem. É a fidelidade aos seus objectivos que os torna dignos companheiros na travessia. Luffy não aceitaria que eles deixassem de buscar as suas próprias metas – não porque deseje individualismos, mas porque é isso que, ao longo da viagem, os vai manter juntos. Terão sempre a companhia uns dos outros, mesmo – ou sobretudo – quando os seus caminhos apontem em sentidos opostos.
Luffy e os restantes serão sempre companheiros, mesmo – ou sobretudo – quando lutem entre si. Assim, quando Usopp desafia Luffy porque não aceita despedir-se do seu primeiro navio, Luffy não encara qualquer opção que não a de lutar com ele sem se conter, ainda que tal implique magoá-lo seriamente. É a maior prova de respeito que lhe pode prestar, mostrando-lhe que leva a sério a sua posição, que a respeita ao ponto de aceitar combater com ele para não a deixar vingar. Maior e mais exigente que a coragem que demonstra ao enfrentar os seus inimigos é a prontidão com que combate os amigos mais chegados. Porque são estes quem ele verdadeiramente respeita.
Luffy não prescinde, porém, de nenhum dos seus comandados. Nenhum deles é dispensável, e, por isso, interrompe qualquer tarefa para ir atrás de seja quem for que se tenha extraviado. Não desiste de ninguém e ninguém é menos valioso. Precisa, no entanto, que a ovelha perdida queira tornar. Todos os filhos pródigos podem voltar – desde que não tenham partido verdadeiramente, isto é, desde que não o tenham traído. Quando Nami ou Robin precisam desesperadamente da sua ajuda, ele aguenta teimosamente até elas lhe pedirem expressamente que intervenha. Mas não se trata de orgulho, nem, muito menos, de as deixar em posição de dependência ou de dívida. É apenas o vínculo de liberdade que os une. A sua lealdade é incondicional, excepto pela exigência de ser retribuída. Luffy enfrenta o que for preciso para trazer de volta quem escapou, mas só se quem escapou quiser voltar. Porque assim se traduzem, afinal, os gestos mais simples: não se puxa inadvertidamente alguém que queremos ajudar; damos a mão para que nos seja devolvida a de quem precisa de ajuda. Funciona também assim a amizade. Luffy vai lá estar sempre para estender a mão. Mas é preciso que seja o outro a agarrá-la. É esta a lealdade que ele exige: a de aceitarmos a mão que nos é estendida. E é este o mais forte, o mais inquebrável dos vínculos, porque não depende de nada a não ser da vontade, o mais frágil dos elos e, como Luffy bem sabe, o mais confiável.