Gerard vanKuijl
Diz Simone Weil em "La Pesanteur et la Grâce": "Deux prisonniers, dans des cachots voisins, qui communiquent par
des coups frappés contre le mur. Le mur est ce qui les sépare, mais
aussi ce qui leur permet de communiquer."
Podemos usar esta imagem para ler a história do mito de Narciso. Narciso descobre o seu reflexo e apaixona-se. Não consegue, porém, chegar ao ser amado e a paixão fá-lo sofrer. Mas é precisamente essa separação que mantém viva a sua imagem. Porque assim que Narciso toca a água que o reflecte, a imagem fica turva e o seu amado desaparece. A destruição da linha que os divide impossibilita a sua ligação. É a barreira entre Narciso e si mesmo que permite viver a única comunicação que entre eles é possível.
O espelho que separa Narciso do seu reflexo é que faz que este apareça. Narciso está assim ligado ao seu reflexo através daquilo que os distancia. O que os separa é o que os une, concretizando-se deste modo a sentença de Weil: "toute séparation est un lien".
"Je voudrais que celui que j'aime m'aime. Mais s'il m'est totalement dévoué, il n'existe plus, et je cesse de l'aimer. Et tant qu'il ne m'est pas totalement dévoué, il ne m'aime pas assez." No momento em que Narciso consiga consumar o seu amor, o reflexo deixará de existir. É precisamente a impossibilidade de concretização desse amor que o mantém vivo. É porque Narciso nunca conseguirá que o seu reflexo se lhe entregue como ele mesmo se quer entregar a ele que Narciso continuará a amar o seu reflexo.
O espelho que separa Narciso do seu reflexo é que faz que este apareça. Narciso está assim ligado ao seu reflexo através daquilo que os distancia. O que os separa é o que os une, concretizando-se deste modo a sentença de Weil: "toute séparation est un lien".
"Je voudrais que celui que j'aime m'aime. Mais s'il m'est totalement dévoué, il n'existe plus, et je cesse de l'aimer. Et tant qu'il ne m'est pas totalement dévoué, il ne m'aime pas assez." No momento em que Narciso consiga consumar o seu amor, o reflexo deixará de existir. É precisamente a impossibilidade de concretização desse amor que o mantém vivo. É porque Narciso nunca conseguirá que o seu reflexo se lhe entregue como ele mesmo se quer entregar a ele que Narciso continuará a amar o seu reflexo.
Narciso apaixona-se pelo seu reflexo e, portanto, pela sua imagem. O que ele conhece da água da fonte é somente a superfície, porque é tudo o que pode ver. Assim, o que o atrai é a beleza. Mas a beleza exige uma dedicação amorosa de uma espécie particular:
"Le beau est un attrait charnel qui tient à distance et implique une renonciation. Y compris la renonciation la plus intime, celle de l'imagination. On veut manger tous les autres objets de désir. Le beau est ce qu'on désire sans vouloir le manger. Nous désirons que cela soit.
Rester immobile et s'unir à ce qu'on désire et dont on n'approche pas.
On s'unit à Dieu ainsi: on ne peut pas s'en approcher. La distance est l'âme du beau.
"Le beau est un attrait charnel qui tient à distance et implique une renonciation. Y compris la renonciation la plus intime, celle de l'imagination. On veut manger tous les autres objets de désir. Le beau est ce qu'on désire sans vouloir le manger. Nous désirons que cela soit.
Rester immobile et s'unir à ce qu'on désire et dont on n'approche pas.
On s'unit à Dieu ainsi: on ne peut pas s'en approcher. La distance est l'âme du beau.
Le regard et l'attente, c'est l'attitude qui correspond au beau."
Assim, Narciso ama o belo sem saber como fazê-lo. Aí nasce a sua tragédia. Porque ele quer conhecer a profundidade do ribeiro sem perceber que aquilo que deseja vive apenas à superfície. Narciso é belo, mas nunca foi, até aqui, um amante, e por isso não conhece o segredo profundo da beleza: o da distância.
Como nos relata Ovídio (Metamorfoses), quando Narciso nasceu, perguntaram a Tirésias se ele teria uma vida longa. Respondeu o adivinho: "se não se conhecer a si próprio". E diz-se depois que a profecia foi confirmada. Mas de que modo?
Conheceu Narciso a si mesmo? Aos dezasseis anos, encontrou o seu reflexo na nascente. Estendeu os braços para se abraçar e os lábios para se beijar, mas a cada tentativa a imagem esvanecia-se.
Conhecer é para Narciso um apoderar-se da coisa. Mas ele está atraído por uma imagem, apaixonado pelo belo. E não nos apoderamos de uma imagem com as mãos, mas com os olhos. Narciso vive o drama de Eco: a ninfa da voz apaixonou-se igualmente pelo belo jovem. Respondendo aos chamamentos deste, lançou-se para o abraçar, mas Narciso repudiou-a, como repudiou todos e todas que o desejaram. Porque afinal Narciso é apenas aquilo que o espelho na água lhe mostra: uma bela imagem. Nenhum reflexo é tão verdadeiro como o de Narciso – e, por isso, tão mentiroso. Porque a verdade de um reflexo é a de um outro eu, esse outro eu que é nosso. No caso de Narciso, ao invés, o reflexo devolve não um outro nesse sentido, mas sim um totalmente similar ao seu. Ao mostrar a verdade de Narciso ao próprio, ele mente enquanto reflexo.
Narciso é apenas uma bela imagem. Foi isso que a ninfa Eco aprendeu com dor. De tal modo que quando esta, depois de rejeitada, se afasta e esconde, mostra talvez vergonha e desilusão, mas também uma inteligência peculiar – porque ela aprendeu a guardar distância e assim mostra ter compreendido o fundamental segredo da beleza.
Narciso, por seu lado, apaixona-se de igual modo pela bela imagem que é a sua. E a verdade mentirosa do espelho na água permite-nos concluir pela veracidade da profecia de Tirésias: mesmo sem mergulhar no ribeiro, sem conseguir abraçar-se ou apoderar-se de si mesmo, ele conhece-se a si próprio, porque, no fim de contas, nada mais havia para conhecer.
Conhecedor de si mesmo, a verdadeira tragédia de Narciso é afinal uma de ignorância: diferentemente de Eco, que tão bem aprendeu a sua lição, Narciso nunca percebeu a distância, o segredo tão bem guardado da sua beleza.
Como nos relata Ovídio (Metamorfoses), quando Narciso nasceu, perguntaram a Tirésias se ele teria uma vida longa. Respondeu o adivinho: "se não se conhecer a si próprio". E diz-se depois que a profecia foi confirmada. Mas de que modo?
Conheceu Narciso a si mesmo? Aos dezasseis anos, encontrou o seu reflexo na nascente. Estendeu os braços para se abraçar e os lábios para se beijar, mas a cada tentativa a imagem esvanecia-se.
Conhecer é para Narciso um apoderar-se da coisa. Mas ele está atraído por uma imagem, apaixonado pelo belo. E não nos apoderamos de uma imagem com as mãos, mas com os olhos. Narciso vive o drama de Eco: a ninfa da voz apaixonou-se igualmente pelo belo jovem. Respondendo aos chamamentos deste, lançou-se para o abraçar, mas Narciso repudiou-a, como repudiou todos e todas que o desejaram. Porque afinal Narciso é apenas aquilo que o espelho na água lhe mostra: uma bela imagem. Nenhum reflexo é tão verdadeiro como o de Narciso – e, por isso, tão mentiroso. Porque a verdade de um reflexo é a de um outro eu, esse outro eu que é nosso. No caso de Narciso, ao invés, o reflexo devolve não um outro nesse sentido, mas sim um totalmente similar ao seu. Ao mostrar a verdade de Narciso ao próprio, ele mente enquanto reflexo.
Narciso é apenas uma bela imagem. Foi isso que a ninfa Eco aprendeu com dor. De tal modo que quando esta, depois de rejeitada, se afasta e esconde, mostra talvez vergonha e desilusão, mas também uma inteligência peculiar – porque ela aprendeu a guardar distância e assim mostra ter compreendido o fundamental segredo da beleza.
Narciso, por seu lado, apaixona-se de igual modo pela bela imagem que é a sua. E a verdade mentirosa do espelho na água permite-nos concluir pela veracidade da profecia de Tirésias: mesmo sem mergulhar no ribeiro, sem conseguir abraçar-se ou apoderar-se de si mesmo, ele conhece-se a si próprio, porque, no fim de contas, nada mais havia para conhecer.
Conhecedor de si mesmo, a verdadeira tragédia de Narciso é afinal uma de ignorância: diferentemente de Eco, que tão bem aprendeu a sua lição, Narciso nunca percebeu a distância, o segredo tão bem guardado da sua beleza.
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