No episódio "Fruit of the poisonous tree" (Bryan Spicer), da série Once Upon a Time, o génio, apaixonado pela Rainha Má, encontra-se com a lâmpada mágica na mão e um desejo à disposição. Formula então o pedido de estar sempre com a sua amada, poder vê-la em todos os momentos ("I wish to be with you forever, to look upon your face always, to never leave your side"), e acaba por se tornar no espelho da Rainha.
No livro La Lenteur, de Milan Kundera, há um sujeito cuja posição parece corresponder à do génio transformado em espelho. Immaculata é uma mulher que se despe sem qualquer pudor diante de um homem (sempre identificado como cameraman) e com uma total indiferença por este. Ao que parece, o homem é tão insignificante como uma cadeira: ele é "um não olho, uma não-orelha, uma não-cabeça” ("un non-oeil, une non-oreille, une non-tête"). Ela consegue tirar a roupa sem vergonha porque é como se ele não a visse, como se não estivesse ali para a ver. Porque este homem a ama e existe em perpétua adoração por ela, ela parece ser tudo o que ele vê, e parece vê-la em todos os momentos – como se fora o seu espelho.
No livro La Lenteur, de Milan Kundera, há um sujeito cuja posição parece corresponder à do génio transformado em espelho. Immaculata é uma mulher que se despe sem qualquer pudor diante de um homem (sempre identificado como cameraman) e com uma total indiferença por este. Ao que parece, o homem é tão insignificante como uma cadeira: ele é "um não olho, uma não-orelha, uma não-cabeça” ("un non-oeil, une non-oreille, une non-tête"). Ela consegue tirar a roupa sem vergonha porque é como se ele não a visse, como se não estivesse ali para a ver. Porque este homem a ama e existe em perpétua adoração por ela, ela parece ser tudo o que ele vê, e parece vê-la em todos os momentos – como se fora o seu espelho.
Sartre dizia que não conseguimos ver os olhos de alguém quando olhamos essa pessoa directamente – já que então o olhar da pessoa esconde os seus olhos (L'être et le néant). O mesmo sucede com o espelho: também aí não vemos a superfície e sim o que nela está reflectido. Também o espelho, portanto, tem um olho para nós oculto quando o olhamos. Neste caso, todavia, não é o olhar do espelho que esconde o olho, pois não existe ninguém na superfície, ou atrás dela, para nos ver; é antes aquilo que o espelho vê (nós mesmos) que esconde os olhos que nos vêem. Ou seja, é o objecto – nós – e não o sujeito – que não existe – aquilo que esconde o espelho do nosso olhar.
Immaculata despe-se diante do cameraman como a Rainha diante do seu espelho, confirmando-se assim que o espelho "é a máquina de filmar mais antiga do mundo" (Gonçalo M. Tavares, O Dicionário do Menino Andersen). Está ali apenas um olho para ver Immaculata, não há ninguém por detrás dele. Por outro lado, esse olho apenas a vê a ela. Quando olhamos um espelho, vemos o que o espelho vê, porque o espelho é apenas um olho e nada mais. Por isso, não se pode verdadeiramente dizer que Immaculata ignora o seu cameraman, que não o conhece ou não o vê. Bem pelo contrário: ela conhece-o inteiramente. Porque se só conhecemos verdadeiramente alguém quando conseguimos ver o mundo através dos seus olhos, então esta mulher conhece inteiramente o seu cameraman, já que, no fim de contas, ela é tudo o que ele vê. Assim, o facto de se ver apenas a si própria quando está diante dele significa, afinal, que ela o conhece melhor que ninguém. Porque, em suma, o cameraman é um espelho para ela. Dizer, como diz o narrador de La Lenteur, que ele é um "não olho" vem a significar que ele é apenas um olho e nada mais. Assim, se Immaculata se despe sem preconceitos diante do seu cameraman, é porque, em certa medida, ele é realmente um "não-olho", já que o seu olho está escondido. Só que uma vez que a sua posição é a de um espelho, não é o seu olhar que lhe oculta os olhos, e sim aquilo que ele olha: a própria Immaculata. No fim de contas, se esta se despe diante dele como se não o visse, é porque ela está, na verdade, a despir-se apenas diante de si mesma, pois colocou-se a si própria diante dos olhos dele.
O génio obteve o que queria, o seu desejo foi literalmente concretizado. Já o cameraman de La Lenteur sofre por concretizar o seu: ele quer deixar aquela posição de mero espectador, pretende que Immaculata o veja, note que ele está ali. Quer aparecer.
Na versão dos Irmãos Grimm deste conto popular, quem é a Branca-de-Neve? Ela surge para a Rainha quando esta pergunta ao espelho quem é a mais bela em todo o reino. Uma vez que a Rainha se identifica com a mulher mais bela (e, mais obviamente, uma vez que ela se põe diante de um espelho...), ela espera que o espelho lhe responda devolvendo a sua própria imagem. Ora, sucede que o espelho lhe responde identificando a Branca-de-Neve. O que isto tem de significar, e nunca tem sido notado, é que a Branca-de-Neve, afinal, é o reflexo da Rainha. Um reflexo, sem embargo, com o qual ela não se consegue identificar e que rejeita. A Rainha odeia a Branca-de-Neve na medida em que não quer identificar-se com ela. O que, dito de outro modo, significa que a Rainha luta por se separar daquilo que encontra no espelho. Tudo isto vem a resultar, a final, numa verdade relativamente simples de extrair: é o ódio da Rainha que dá vida à Branca-de-Neve, já que sem ele esta seria apenas uma imagem daquela e nada mais. Se a Branca-de-Neve existe é apenas porque a Rainha a expulsou do seu espelho.
O que quer o cameraman de Immaculata? Poderia querer o seu amor, mas isso afinal não lhe basta, visto que ele próprio ama-a e sabe o que isso significa: ela existe como objecto para ele, mas um objecto que preenche todo o seu mundo, esgota o seu campo de visão. Ora, ele quer também aparecer diante dela, quer que ela o veja e, portanto, quer também ser um objecto para ela. Contudo, isto parece só poder ser concretizado de uma maneira: ele quer ser para Immaculata o mesmo que a Branca-de-Neve é para a Rainha.
Já sabemos que a posição do cameraman corresponde à de um espelho diante do qual Immaculata se olha. Ora, se assim é, enquanto ela se identificar com aquilo que encontra no olhar dele, ela vai apenas ver-se a si mesma e nada mais, já que, como referimos, aquilo que o espelho olha oculta o(s olhos do) próprio espelho. Por isso, se o cameraman quer aparecer diante de Immaculata, se se quer separar do espelho em que foi condenado a viver, e, ao mesmo tempo, ser o objecto que os olhos de Immaculata encontram quando se procura a si mesma (pois assim sabe que ela sempre acabará por vir ter ao seu encontro), então ele tem de aparecer diante dela como a Branca-de-Neve diante da Rainha: tem de ser o reflexo que ela rejeita, com o qual ela não se identifica e que, portanto, odeia.
É por querer que Immaculata venha ao seu encontro que o cameraman precisa que ela o rejeite. É porque a ama que precisa que ela o odeie.