No conto "Idades",
de Luís Fernando Veríssimo (As mentiras que as mulheres contam), uma mulher de 34 anos diz às pessoas que tem 52, com o
objectivo de as ouvir comentar, espantadas, que não aparenta a idade
que diz ter.
O que quer esta mulher? Como explica
Sartre (L'être et le néant), o olhar do outro faz nascer um
ser em nós, um modo de ser que, apesar de referido a nós, não nos
pertence verdadeiramente, na medida em que não o podemos resgatar: o
nosso ser-para-outrem. Este modo de ser é constituído pelo
olhar do outro, pelo que escapa ao nosso controlo.
Na medida em que o modo como
aparecemos ao outro pode ser procurado no espelho, e na medida em que
é no espelho que posso encontrar o meu outro, este meu
outro pode ser identificado com o modo como apareço aos outros.
O que a mulher quer é trocar a sua
imagem no espelho. Trocar de outra. Porque a idade que ela diz
ter vai necessariamente mudar a apreciação que os outros fazem da
sua aparência e, portanto, o modo como a vêem. Simultaneamente,
também o modo como aparece aos outros.
A mulher oferece então uma outra
outra aos outros. Impõe-lhes a sua outra, rejeitando
aquela que eles lhe queriam impor. Deste modo, perante a
impossibilidade de se apoderar da outra que o olhar dos outros
faz nascer em si, ela opta pela alternativa de a substituir por uma a
que ela mesma dá vida.
É então que se cria o jogo duplo que é, no fim de contas, o seu verdadeiro objectivo: os outros proclamam rejeitar essa outra que ela lhes propõe – o que, naturalmente, é o que ela pretende ouvir. Mas essa rejeição só a delicia na medida em que eles, na verdade, acreditam que ela tem realmente 52 anos; ou seja, a rejeição pelos outros da outra que ela lhes oferece só lhe interessa se eles na verdade a aceitarem.
É então que se cria o jogo duplo que é, no fim de contas, o seu verdadeiro objectivo: os outros proclamam rejeitar essa outra que ela lhes propõe – o que, naturalmente, é o que ela pretende ouvir. Mas essa rejeição só a delicia na medida em que eles, na verdade, acreditam que ela tem realmente 52 anos; ou seja, a rejeição pelos outros da outra que ela lhes oferece só lhe interessa se eles na verdade a aceitarem.
Consegue ela então inverter o processo que se estabelece normalmente entre si e o seu público: porque os olhos deste constituíam nela um modo de ser que escapava ao seu controlo, que ela não podia recuperar, mas com o qual tinha de viver, a cuja imputação não podia escapar. Com a sua mentira sobre a idade, parece ser ela a impor aos outros o seu modo de aparecer diante dos seus olhos. Rapidamente percebemos, no entanto, que não é sequer aí que verdadeiramente mora o seu triunfo. Porque ela não ganha, obviamente, com a aceitação pelos outros da idade que ela diz ter, e sim com com a ideia deles de que ela terá outra idade, menos avançada. Com efeito, a incredulidade relativamente aos 52 anos e, sobretudo, a suspeita de que será mais nova, significam, no fundo, o seguinte: ao olharem para ela e ao descobrirem nela algo que não corresponde ao que pensam estar a ver, a sua reacção é, como tem de ser, a de que não conseguem captar o modo como ela lhes aparece.
Uma vez que a imagem que têm diante dos olhos não coincide com o que pensam ver, essa imagem permanece-lhes estranha. Quando lhe perguntam pelo segredo para a sua aparência tão jovem, isto é apenas um outro modo de perguntar pela chave de acesso a esse espaço secreto onde ela guarda a sua outra, essa outra que ela exibe sem que eles consigam apoderar-se dela.
A mulher triunfa assim nesta troca de espelhos que faz ao substituir a outra que o olhar dos outros faz nascer em si pela outra que ela fabrica e lhes impõe, parecendo guardar a primeira para si. Mas é claro que essa primeira outra só existe desde que nasce nos olhos dos outros e enquanto aí se mantiver. O triunfo da mulher assenta numa verdadeira ilusão: como os melhores ilusionistas, ela alimenta o mistério exibindo aquilo que esconde. Os outros querem resgatar o estranho ser-para-outrem daquela mulher sem tomarem consciência de que ele nunca deixou de lhes pertencer. Porque, no fim de contas, talvez seja esse o único modo de tornarmos nosso o que não pode deixar de ser alheio: fazermos acreditar o seu verdadeiro dono que a coisa só a nós pertence.