E não era com as próprias bocas que riam, mas com outras.

Odisseia, canto XX

quarta-feira, 12 de abril de 2017

A magia nas coisas pequenas


  No filme Jurassic Park (Steven Spielberg), um grupo de investigadores é convidado a visitar um parque, situado numa ilha, que terá como atracções dinossauros vivos, recriados cientificamente para serem exibidos ao público.

  Os investigadores entram nos jipes e atravessam a ilha até encontrarem finalmente os dinossauros.  Imponentes braquiossauros a comer folhas de árvore, do alto dos seus pescoços estradais, diante dos olhos dos visitantes. Podiam ser girafas: vulgares, ainda que interessantes. Mas são dinossauros: inacreditáveis, mas reais.

  Podemos deixar-nos tremer pela excitação de ver um gigante extinto. Há algo de mágico nesta cena, em que o espectador sente a emoção de deparar com algo vindo do reino do fantástico sem de facto o ver. Pois não são apenas os efeitos especiais utilizados na recriação das criaturas, a música ou as posições e o movimento da câmera. É tudo isso e algo mais: a unidade destes elementos constrói-se de tal modo que no espectador nasce a maravilhosa sensação de encarar o maravilhoso, a surpresa de encontrar o que não podia ser encontrado.
  O que há de fascinante nos dinossauros? São criaturas pertencentes ao reino do fantástico, aquilo que podemos representar, mas não encontrar. Contudo, são também – ou foram – reais. Existiram, não num outro universo, mas sim neste que habitamos. Os dinossauros são, por isso, tão verdadeiros como os elefantes e ao mesmo tempo tão mágicos como os dragões. Todo o fantástico é, por definição, inacessível. Estas criaturas, tão inalcançáveis como os grifos, são, porém, aquelas que mais perto estivemos de agarrar. Os dinossauros são frutos de magia, aos quais, como Tântalo, estendemos a mão por os vermos tão perto, para logo os descobrimos demasiado longe para lhes conseguirmos tocar.
  No fim de contas, parece ser mesmo esta distância que torna os dinossauros tão fascinantes. Porque, nas palavras de Hazlitt ("Why distant objects please"), "[i]t is not the little, glimmering, almost annihilated speck in the distance that rivets our attention and 'hangs upon the beatings of our hearts': it is the interval that separates us from it, and of which it is the trembling boundary, that excites all this coil and mighty pudder in the breast". Que não tem de ser assim, todavia, prova-o a admiração de Alan Grant (um dos investigadores que visitam o Parque Jurássico) quando, no fim do filme, vê os pelicanos pela janela do helicóptero: como comenta Greydanus, este momento é uma mera demonstração de como podemos ver dinossauros todos os dias. A maravilha está aí para ser descoberta. Se julgamos que ela vive apenas onde não podemos chegar, somos cegos incapazes de nos deslumbrarmos com o que mora diante de nós. Bem nos alertou Chesterton de que são precisamente leis mágicas a ditar os acontecimentos da vida de uma galinha ou do nascer do sol: "When we are asked why eggs turn to birds or fruits fall in autumn, we must answer exactly as the fairy godmother would answer if Cinderella asked her why mice turned to horses or her clothes fell from her at twelve o'clock. We must answer that it is magic" (Orthodoxy).
  A verdadeira magia da cena do primeiro encontro com os dinossauros pode então estar escondida. Será talvez a sugestão, atrevida e sonhadora, de que os dinossauros, essas criaturas irrecuperáveis habitantes do reino do imaginário, não seriam menos fantásticos se os pudéssemos ver de perto. É fácil pensar que os agigantamos pela distância, oferecendo-lhes uma dimensão suficiente para nos encherem a imaginação. Mas com esta cena aprendemos aquilo que já deveríamos saber, mas não sabemos: que eles são (porque eram e seriam) gigantes por conta própria. E é graças a este momento que podemos olhar com o mesmo fascínio o pelicano a voar, a tartaruga a nadar ou a chita a correr. Porque agora podemos observar com mais atenção e perceber que cada uma destas pequenas criaturas — que, de tão perto, parecem banais — traz dentro de si a magia imensurável do caminho da vida.

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