O que se passa neste vídeo da WunderTütenFabrik?
Duas mãos procuram retirar utilidade de uma série de objectos pensados ou desenhados para serem usufruídos de uma certa maneira, mas as tentativas saem sempre frustradas. O fracasso não se deve, porém, a uma deformação no objecto, no seu desenho ou programação, mas somente à falta de habilidade do utilizador.
As mãos querem, por exemplo, traçar linhas paralelas com a régua, mas a terceira linha (poderia ser a primeira, a segunda ou a quarta) sai torta. E não porque a régua seja torta, e sim porque a mão a deixou escapar. O desenho das coisas em questão é objectivamente racional. Por não terem falhas, elas requerem uma utilização eficaz, sendo garantido que tal utilização terá sempre proveito: os objectos não têm subjectividade, não há relatividade no seu uso; tudo o que acontece durante a interacção com eles estava já como que programado à partida na sua composição. As coisas não deixam espaço para o imprevisível: se algo pode correr mal, isso deve-se exclusivamente à subjectividade humana que mora nas mãos, tornando-as imprevisíveis.
As coisas são perfeitas na sua concepção, mas isso não resulta numa utilização perfeita, porque nós não somos perfeitos. Um mundo ideal, sem buracos, curvas inesperadas ou desvios surpreendentes não é um mundo para nós, apesar de ser o mundo em que desejamos viver. Nós mesmos pensamos e fabricamos os objectos segundo uma racionalidade que não é a mesma com que os utilizamos. Continuamos a ser humanos e por isso não saberíamos viver no mundo ideal para o qual nos queremos mudar.
No mundo humano – não no das coisas –, a prática tem sentido. Após muito treino, as mãos conseguirão certamente baralhar as cartas com facilidade sem as deixar cair mal começam a brincar com elas. Mas por muito que essa facilidade se torne evidente, a hipótese do erro continuará a existir. As mãos exímias poderão ter sucesso em milhares de ocasiões, mas, talvez por relaxamento ou distracção, surgirá uma em que as cartas se espalharão. O treino é um exercício de redução do espaço do erro. Mas não o pode apagar por completo. Porque esse espaço é aquele que o humano habita.
Não deixa de ser fascinante a incoerência que se gera entre a realidade maquinal perfeita que construímos para nós próprios e a nossa imprevisibilidade, a nossa irracionalidade, a nossa humanidade. Mas essa incoerência talvez seja útil para trazer à luz aquilo que, denunciando a falibilidade humana, exibe simultaneamente a sua maravilha. Porque se os objectos são apenas capazes daquilo para que estão programados, se o espaço do imprevisível na sua utilização é apenas o nosso, se, em suma, não há sentido em falar de fracassos do seu lado, não há também qualquer espaço para o sucesso, qualquer lógica de êxito. Só a pessoa, a criatura que tanto falha na utilização dos seus objectos perfeitos, é capaz de ter sucesso. E não mora longe do reino da eficácia aquele outro reino, habitado apenas pela pessoa, onde esta é rainha e súbdita a um só tempo: o da ética. Porque do mesmo modo que, no vídeo, a faca pode cortar indiferentemente o bolo em fatias proporcionalmente ou sem qualquer critério, visto que corta sempre do mesmo modo, à sua eficácia é também indiferente se ela corta o pescoço de outrem ou a corda que o apertava. Para nós, porém, isso faz muita diferença. Toda a diferença.
Não deixa de ser fascinante a incoerência que se gera entre a realidade maquinal perfeita que construímos para nós próprios e a nossa imprevisibilidade, a nossa irracionalidade, a nossa humanidade. Mas essa incoerência talvez seja útil para trazer à luz aquilo que, denunciando a falibilidade humana, exibe simultaneamente a sua maravilha. Porque se os objectos são apenas capazes daquilo para que estão programados, se o espaço do imprevisível na sua utilização é apenas o nosso, se, em suma, não há sentido em falar de fracassos do seu lado, não há também qualquer espaço para o sucesso, qualquer lógica de êxito. Só a pessoa, a criatura que tanto falha na utilização dos seus objectos perfeitos, é capaz de ter sucesso. E não mora longe do reino da eficácia aquele outro reino, habitado apenas pela pessoa, onde esta é rainha e súbdita a um só tempo: o da ética. Porque do mesmo modo que, no vídeo, a faca pode cortar indiferentemente o bolo em fatias proporcionalmente ou sem qualquer critério, visto que corta sempre do mesmo modo, à sua eficácia é também indiferente se ela corta o pescoço de outrem ou a corda que o apertava. Para nós, porém, isso faz muita diferença. Toda a diferença.
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