Laurent Durieux
No livro Peter and Wendy (J. M. Barrie), Peter Pan tem um momento de terror, o único de que Barrie tem conhecimento, segundo narra o próprio (“For almost the only time in his life that I know of, Peter was afraid”): aquele em que percebe que Wendy envelheceu.
O choque de Peter só se percebe conhecendo o funcionamento da sua memória. Peter esquece-se constantemente de tudo. Não recorda coisas acabadas de acontecer e tem mesmo dificuldade em lembrar-se de pessoas – inclusive Wendy e os meninos perdidos. Quando volta, após muitos anos, para vir buscar Wendy, Peter não se dá conta do tempo que passou. Pensa que decorreu apenas um ano desde a sua última visita e que é tempo de Wendy partir com ele, segundo o que combinaram fazer todos os anos. Mas Wendy cresceu, é agora adulta e tem uma filha, Jane.
O “marinheiro perdido” Jimmie G., cuja história é relatada no livro The Man who Mistook his Wife for a Hat (Oliver Sacks), é um Peter Pan da vida real. Jimmie também estava parado no tempo (se bem que apenas mentalmente) e por isso não recordava nada do que lhe acontecia desde uma certa data. E também ele passa por um momento de terror devido à sua memória: aquele em que é confrontado com um espelho. É aí que dá conta do tempo que passou. No filme The Straight Story (David Lynch), Alvin Straight diz que a pior parte de sermos velhos é lembrarmo-nos de quando éramos novos. O terror de Jimmie G. é outro: não se lembra de ser velho.
Jimmie G. fica aterrorizado ao perceber que envelheceu. A sua surpresa é a de constatar que não é verdadeiramente Peter Pan. Já o próprio Peter fica também chocado ao compreender que alguém não é Peter Pan, mas agora esse alguém não é ele mesmo, e sim Wendy. E isto permite perceber que o terror de ambos tem uma estrutura inversa (e, por isso, simétrica).
Quando se vê no espelho, Jimmie não se vê no espelho. Daí a surpresa. Porque Jimmie vê no espelho um outro. Mas aquele não é o seu outro. É um outro, mas não o seu. Ao ver-se ao espelho, descobre, no fundo, que o seu outro já não lhe pertence, ele e o seu outro estão desalinhados. Por isso podemos sentir o seu choque e quase ouvi-lo dizer: “este não é o meu outro!”.
Peter sabe que não vai crescer e que a velhice de Wendy não o obriga a fazê-lo. Por isso, o seu terror só pode ser apreendido se entendermos que Wendy é o outro de Peter. E assim o seu terror, tal como o do marinheiro, é o de ver-se alienado do seu outro; o de descobrir que, no lugar onde sempre encontrara o outro que lhe pertencia, surge agora um outro que não pode ser (o) seu. Só que Peter consegue sobreviver a isto do modo que conhecemos: Wendy será substituída por Jane, esta será substituída por Margaret, etc. E cada nova moça substitui a anterior no lugar do outro de Peter. Deste modo, Peter nunca chega a perder o seu outro definitivamente. É de um simbolismo óbvio, assim, que Peter perca a sua sombra (o seu outro) em casa de Wendy e que esta lha devolva na noite em que se junta a ele. Por outro lado, o seu terror voltará de todas as vezes que perceber que a sua "mãe" envelheceu. Por isso também o próprio Barrie, que aparentemente se esquece disso, tem uma memória de Peter Pan, ao julgar que o terror assalta Peter num único momento da sua vida. Na verdade, esse pânico voltará de todas as vezes que Peter tornar à casa anos depois, sem se dar conta de que, enquanto ele estava fora, as pessoas envelheceram. Mas em todas essas ocasiões há-de lá estar uma Wendy, uma Jane ou uma Margaret para lhe perguntar porque chora e para lhe coser a sombra que ele perdeu.
Como vemos, tanto o marinheiro perdido como Peter têm o terror de descobrir a alienação do seu outro. E o remédio é o mesmo para ambos: o do esquecimento. Ambos vão esquecer o outro que perderam. Só que Jimmie, ao contrário de Peter, não pode substituir o seu outro. Está preso a um outro que não reconhece como o seu. Assim, aquele terror, embora simétrico, tem um significado inverso para os dois: no caso de Peter, é o de ver o seu outro, agora um estranho, alienado em definitivo – Wendy nunca mais poderá preencher esse lugar. No caso do marinheiro, ao invés, o seu terror é o de ver-se preso em definitivo ao seu outro, mesmo sendo ele um estranho que Jimmie não reconhece.
Tanto Jimmie como Peter sofrem com a traição do seu outro. Mas Peter sofre com a traição de um outro que o abandonou: Wendy prometeu não crescer, mas cresceu. Nunca mais poderá voar com ele, pois esqueceu-se de como o fazer. Já não é uma rapariga, é uma mulher. Jimmie, ao invés, sofre com a traição de um outro que não o deixou nem nunca o deixará, por mais que ele o remeta para a maior de todas as distâncias – a do esquecimento.
Quando se vê no espelho, Jimmie não se vê no espelho. Daí a surpresa. Porque Jimmie vê no espelho um outro. Mas aquele não é o seu outro. É um outro, mas não o seu. Ao ver-se ao espelho, descobre, no fundo, que o seu outro já não lhe pertence, ele e o seu outro estão desalinhados. Por isso podemos sentir o seu choque e quase ouvi-lo dizer: “este não é o meu outro!”.
Peter sabe que não vai crescer e que a velhice de Wendy não o obriga a fazê-lo. Por isso, o seu terror só pode ser apreendido se entendermos que Wendy é o outro de Peter. E assim o seu terror, tal como o do marinheiro, é o de ver-se alienado do seu outro; o de descobrir que, no lugar onde sempre encontrara o outro que lhe pertencia, surge agora um outro que não pode ser (o) seu. Só que Peter consegue sobreviver a isto do modo que conhecemos: Wendy será substituída por Jane, esta será substituída por Margaret, etc. E cada nova moça substitui a anterior no lugar do outro de Peter. Deste modo, Peter nunca chega a perder o seu outro definitivamente. É de um simbolismo óbvio, assim, que Peter perca a sua sombra (o seu outro) em casa de Wendy e que esta lha devolva na noite em que se junta a ele. Por outro lado, o seu terror voltará de todas as vezes que perceber que a sua "mãe" envelheceu. Por isso também o próprio Barrie, que aparentemente se esquece disso, tem uma memória de Peter Pan, ao julgar que o terror assalta Peter num único momento da sua vida. Na verdade, esse pânico voltará de todas as vezes que Peter tornar à casa anos depois, sem se dar conta de que, enquanto ele estava fora, as pessoas envelheceram. Mas em todas essas ocasiões há-de lá estar uma Wendy, uma Jane ou uma Margaret para lhe perguntar porque chora e para lhe coser a sombra que ele perdeu.
Como vemos, tanto o marinheiro perdido como Peter têm o terror de descobrir a alienação do seu outro. E o remédio é o mesmo para ambos: o do esquecimento. Ambos vão esquecer o outro que perderam. Só que Jimmie, ao contrário de Peter, não pode substituir o seu outro. Está preso a um outro que não reconhece como o seu. Assim, aquele terror, embora simétrico, tem um significado inverso para os dois: no caso de Peter, é o de ver o seu outro, agora um estranho, alienado em definitivo – Wendy nunca mais poderá preencher esse lugar. No caso do marinheiro, ao invés, o seu terror é o de ver-se preso em definitivo ao seu outro, mesmo sendo ele um estranho que Jimmie não reconhece.
Tanto Jimmie como Peter sofrem com a traição do seu outro. Mas Peter sofre com a traição de um outro que o abandonou: Wendy prometeu não crescer, mas cresceu. Nunca mais poderá voar com ele, pois esqueceu-se de como o fazer. Já não é uma rapariga, é uma mulher. Jimmie, ao invés, sofre com a traição de um outro que não o deixou nem nunca o deixará, por mais que ele o remeta para a maior de todas as distâncias – a do esquecimento.
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