O Professor Girassol e os irmãos Dupond e Dupont são três dos principais personagens da série de banda desenhada Tintin.
Muito diferentes nos seus interesses, modo de ser, hábitos e profissões, a contraposição entre eles pode ajudar-nos a trazer à luz aspectos interessantes que, realçados pelo contraste, passam a surgir com mais evidência.
Aparentemente, o Professor Girassol é um alienado. Não é estranho que Castafiore o reconheça pelas supostas viagens de balão que ele teria realizado (Les Bijoux de la Castafiore) ou que seja ele o grande impulsionador da viagem à lua (Objectif Lune), já que é nesse mundo (o da lua) que ele parece viver. O seu distanciamento surge evidente ao nível do contacto mais superficial, nas preocupações que o guiam e nos métodos que elege para prosseguir os seus objectivos.
O Professor Girassol é, como ele diz, duro de ouvido e, por isso, são frequentes as ocasiões em que substitui as palavras que lhe dirigem por outras que ele ouve, mas nunca foram ditas. Assim, Girassol parece embrenhado numa permanente conversa com alguém que não o seu interlocutor. Tais conversas chegam ao ponto de o alienar por instantes de si mesmo: como na ocasião em que se indigna por lhe parecer ouvir Tintim referir-se constantemente à sua irmã; para instantes depois se lembrar de que, na verdade, não tem irmã (Tintin et les Picaros) Os seus interesses recaem muitas vezes sobre objectos que não interessam ou não preocupam do mesmo modo aqueles que o rodeiam. E mesmo quando concentrado em resolver os mesmos problemas, os seus métodos resultam muitas vezes caricatos. Assim, é frequente vê-lo tentar descobrir algum local ou objecto perdido seguindo a orientação misteriosa do seu pêndulo, ao qual ninguém mais dá muito crédito.
Muito diferentemente, os irmãos Dupondt parecem, num primeiro contacto, perfeitamente sintonizados com a realidade. São inspectores da polícia e o seu trabalho é, no fundo, descobrir o que se passa e encontrar os criminosos, os desviantes. Sempre sérios e profissionais, os Dupondt aparentam ter os pés perfeitamente assentes na terra e estar completamente integrados na lógica do quotidiano, ao contrário do Professor.
Um olhar mais atento vem infirmar tudo isto.
Guiado pelo seu pêndulo, nunca sabemos muito bem para onde se dirige o Professor Girassol e, por isso, hesitaríamos em acompanhá-lo. A verdade, todavia, é que ele nunca se perde. Quando se tratou de procurar o tesouro de Rackham, o Vermelho (Le Trésor de Rackham le Rouge), ninguém achou que o seu pêndulo fosse um bom orientador, mas, no fim de contas, foi esse objecto que o levou a encontrá-lo.
Ao contrário, os Dupondt perdem-se com grande facilidade. A sua falta de orientação leva-os mesmo, em certa ocasião, a perseguirem-se a si mesmos, andando em círculos e julgando que perseguem outrem (Tintin au Pays de l'Or Noir). É esse, de facto, o caminho dos Dupondt: perfeitamente situados, eles estão sempre perdidos; inteiramente informados, nunca sabem bem o que se passa. É como se orientassem o seu percurso estudando o mapa de outro país que não aquele em que se encontram. Com Girassol a questão inverte-se: ele parece caminhar numa realidade distante, num percurso aparentemente sem nexo. Mas chega sempre ao seu destino. Desconectado da realidade e falando uma linguagem diversa da que consta das placas de orientação, o Professor acaba no lugar certo. É ele que não parece fazer ideia do que se passa, mas são os Dupondt que, perfeitamente cientes do que têm de fazer, nunca fazem nada como deve ser. É Girassol que parece ter um percurso só seu; mas são os Dupondt que andam em círculos. É Girassol que, não percebendo correctamente o que os outros lhe dizem, segue falando numa conversa só sua. Mas são os Dupondt que se perseguem a si mesmos.
Quando vão à China (Le Lotus Bleu), os Dupondt disfarçam-se, de modo a passarem despercebidos. Mas o seu disfarce, baseado em preconceitos culturais infundados, produz o efeito contrário ao pretendido: fá-los sobressair e chama a atenção de uma multidão. São assim os Dupondt: seguem todas as regras, mas nunca ganham o jogo.
Conscienciosos e zelosos, os Dupondt agem como pessoas práticas que não se perdem com teorias, ao contrário do Professor, que, preocupado sempre com questões distantes, parece perdido na estratosfera. Mas afinal são os Dupondt que, convencidos de estarem bem assentes na Terra, se descobrem a caminho da lua (On a Marché sur la Lune). E se é Girassol quem lidera a expedição de ida e volta da lua, ele tem sempre noção de onde está em cada momento.
Os Dupondt falam a linguagem de toda a gente, usam raciocínios sensatos e seguem todas as regras que lhes são apresentadas. Mas quando chega o momento de se agarrarem a algo para não caírem, só sabem agarrar-se a si mesmos e, claro, caem (On a Marché sur la Lune). Já Girassol, aparentemente perdido numa outra conversa, deambulando num qualquer outro lugar, orienta-se afinal perfeitamente num mundo que não parece ser o seu, mas onde é sempre bem-vindo. Não sabemos bem onde se agarra ele; mas podemos estar seguros de que não vai cair.
Os Dupondt falam a linguagem de toda a gente, usam raciocínios sensatos e seguem todas as regras que lhes são apresentadas. Mas quando chega o momento de se agarrarem a algo para não caírem, só sabem agarrar-se a si mesmos e, claro, caem (On a Marché sur la Lune). Já Girassol, aparentemente perdido numa outra conversa, deambulando num qualquer outro lugar, orienta-se afinal perfeitamente num mundo que não parece ser o seu, mas onde é sempre bem-vindo. Não sabemos bem onde se agarra ele; mas podemos estar seguros de que não vai cair.