W. W. Denslow
No livro The wonderful wizard of Oz (L. Frank Baum), Dorothy, o espantalho e o lenhador de lata encontram no seu caminho para Oz um leão, que primeiro os atemoriza com ameaças e jactâncias, mas que depois se amedronta assim que Dorothy o confronta por ter assustado o seu pequeno cão.
O leão é realmente um cobarde? Ele começa por avançar imponente e sem hesitações quando encontra a rapariga, o lenhador de lata e o espantalho. Mas recua temente perante a reprimenda da menina. Deveria ele ripostar, ou até atacar, para se mostrar corajoso?
Tivesse o leão enfrentado Dorothy e não seria mais corajoso por isso. A bravura joga sempre com uma superação de limites: é dirigindo-nos àquilo que é maior que nós que nos mostramos destemidos. Se o louco é um alienado, é porque se afasta de si mesmo e se perde das suas fronteiras. Todo o sujeito bravo é um louco que avança em direcção ao que ameaça engoli-lo – é preciso alguma insanidade para aceitar conhecer a barriga do monstro. As criaturas terríveis não são feitas à nossa medida: a medida do monstro é antes a da escuridão, porque é esta que tem a maior de todas as bocas.
Quando ameaça o cãozinho e os outros, o leão quer ocupar a posição inversa à do louco, à do homem pequeno que não abranda nem muda de sentido por encontrar feras no caminho. Quando se mostra feroz contra aquele grupo aparentemente tão inofensivo, ele assume, não o lugar do sujeito destemido que encara o monstro, mas o do próprio monstro, esse que se propõe engolir as pequenas criaturas. E sendo esta a posição inversa, ninguém é, afinal, mais cobarde que um monstro. Por ter a boca maior, o monstro não pode engolir ninguém sem comprovar desse modo o seu medo. O leão é, assim, cobarde, não tanto – ou não apenas – quando recua, mas logo quando avança contra os pequenos. Os maiores cobardes abrem a boca, mostram os dentes e rosnam assim que vêem presas fáceis. Veja-se o exemplo inverso do seu amigo tigre (no livro Ozma of Oz, de L. Frank Baum): apesar das mandíbulas e das garras de que dispõe e que lhe permitiriam comer facilmente algum dos bebés que vai encontrando pelo caminho e que lhe provocam fome, ele não se atreve a fazê-lo: não é suficientemente cobarde para tal. Não é talvez isso uma prova de bravura, mas também não é somente mostra de educação: é demonstração de que ele não tem medo.
Dorothy triunfa sobre o leão, como triunfam sempre todos os Davides que não hesitam diante dos Golias, mesmo quando estes, aparentemente, os destroem. Triunfam primeiro porque exibem a loucura dos corajosos. Mas saem além disso vitoriosos porque forçam a derrota do seu opositor: qualquer gigante que ataque um anão já perdeu antes mesmo de o choque ocorrer. A vitória final de David sobre Golias não é, por isso, mais que uma encenação teatral do desfecho que já tinha tido lugar antes mesmo de ele lançar a pedra. Também Dorothy ganha ao leão assim que o encara, porque este perde logo que avança.
Qualquer rufia de escola que persiga os mais pequenos está condenado a perder, como qualquer um destes que o enfrente está destinado a ganhar (mesmo, ou até sobretudo, quando o vilão o subjugue pela força). Ainda quando ninguém o encare, porém, ele não foge ao seu fado: ele não precisa verdadeiramente de um louco que o combata, já que, vendo bem, é ele próprio que carrega a sua derrota e se vence a si mesmo.
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