No filme Invasion of the Body Snatchers (Don Siegel), uma invasão alienígena tem lugar numa cidade fictícia: os aliens conseguem fabricar (literalmente: plantar) duplos dos humanos que vivem na cidade e as pessoas vão sendo substituídas por esses duplos.
Os duplos são praticamente perfeitos, assemelhando-se em tudo aos originais. Ainda assim, as pessoas mais próximas estranham-nos e não se deixam enganar, suspeitando que são, na verdade, impostores. Como conseguem as pessoas perceber que o outro não é quem aparenta? Que se trata de um impostor? Uma das personagens, que desconfia que o seu tio Ira não é aquele homem que vive em sua casa, diz: "there is no difference you can actually see...he looks, sounds, acts and remembers like uncle Ira...but he isn't, there's something missing".
A questão então coloca-se nestes termos: que é isso que está em falta quando tudo está onde devia estar? A explicação de que os duplos não sentem emoções não é totalmente esclarecedora neste ponto, já que, como diz a mesma personagem, o falso tio Ira demonstra as mesmas emoções que o verdadeiro, só que fingindo-as. Ora, isto apenas desloca a questão: que elemento é esse que está ausente e cuja ausência permite perceber o fingimento?
Lembremos o que diz Zizek ("Discipline between Two Freedoms – Madness
and Habit in German Idealism") quando contrapõe aliens a zombies: "while aliens look and act like humans, but are really foreign to human
race, zombies are humans who no longer look and act like humans;
while, in the case of an alien, we suddenly become aware that the one
closest to us – wife, son, father – is an alien, was colonized by an alien, in
the case of a zombie, the shock is that this foreign creep is someone close
to us".
Parece então que o elemento que procuramos nos impostores é um qualquer elemento de estranheza, algo que os afasta, que os torna distantes. E, ainda assim, não o conseguimos identificar.
A resposta para a nossa procura é-nos sugerida, porém, no pequeno conto Awake in the Night (Lydia Davis):
“I can’t go to sleep, in this hotel room in this strange city. It is very late, two in the morning, then three, then four. I am lying in the dark. What is the problem? Oh, maybe I am missing him, the person I sleep next to. Then I hear a door shut somewhere nearby. Another guest has come in, very late. Now I have the answer. I will go to his room and get in bed next to him, and then I will be able to sleep.”
A narradora não consegue dormir, por sentir a falta da pessoa que costuma dormir ao seu lado. Resolve o seu problema indo deitar-se com um estranho: assim já será capaz de dormir.
Há uma sugestão simples, mas reveladora, na solução da narradora. A uma primeira leitura, estranhamos a sua atitude: parece-nos difícil de conceber que a companhia de um desconhecido lhe possa oferecer a tranquilidade que o seu companheiro habitual transmite. A questão que nos assalta de imediato é: como pode um estranho ocupar o lugar do familiar? Uma pequena inversão do nosso ponto de vista sugere, contudo, que a pergunta pode já estar viciada: talvez aquilo que a narradora sente que falta seja, precisamente, a estranheza do companheiro, não a familiaridade deste. Ou, dito de outra forma: o que torna o companheiro uma presença familiar é a estranheza que ele transporta consigo.
Há uma sugestão simples, mas reveladora, na solução da narradora. A uma primeira leitura, estranhamos a sua atitude: parece-nos difícil de conceber que a companhia de um desconhecido lhe possa oferecer a tranquilidade que o seu companheiro habitual transmite. A questão que nos assalta de imediato é: como pode um estranho ocupar o lugar do familiar? Uma pequena inversão do nosso ponto de vista sugere, contudo, que a pergunta pode já estar viciada: talvez aquilo que a narradora sente que falta seja, precisamente, a estranheza do companheiro, não a familiaridade deste. Ou, dito de outra forma: o que torna o companheiro uma presença familiar é a estranheza que ele transporta consigo.
A lição simples, mas fundamental, que este conto nos transmite resume-se então ao seguinte: é precisamente a estranheza daquele que nos é próximo que o torna mais familiar. A narradora tem de ir procurar a sensação de familiaridade naquele que, não lhe sendo ainda próximo, é um verdadeiro estranho e, deste modo, pode tornar-se seu companheiro.
Temos assim a resposta que procurávamos. Não encontrávamos o elemento ausente que explicava a desconfiança das pessoas em relação aos impostores porque procurávamos no sentido errado. De facto, não há um elemento estranho nos impostores a provocar essa desconfiança: é, pelo contrário, a ausência desse elemento que a origina. Os impostores são impostores porque não são, no fundo, suficientemente diferentes. São demasiado normais, demasiado próximos. Por paradoxal que pareça, falta-lhes, em suma, serem mais estranhos para parecerem mais familiares.