No episódio "The Masks" (Ida Lupino), da série The Twilight Zone, Jason Foster, um moribundo, é visitado pela filha, o genro e os dois netos. Os quatro são pessoas desprezíveis e estão ali apenas na esperança de que o velho morra, de modo a poderem receber a herança. Foster insulta-os e confonta-os sem se conter. Ameaçando-os de os deserdar, convence-os a usarem umas máscaras hediondas até à meia-noite desse dia. Diz-lhes que as máscaras, horrorosas como são, adequam-se inversamente à personalidade do seu utilizador: representam o contrário do que a pessoa é. A descrição que Foster faz da personalidade indicada para cada máscara, todavia, torna claro que o que se passa é precisamente o oposto: as qualidades negativas que ele atribui a cada máscara são, de facto, aquelas que reconhecemos nos membros da família. Ele próprio entra no jogo, pondo a máscara da morte – o inverso do que ele supostamente mais teria neste momento: vida. Depois da meia-noite, todos descobrem que os seus rostos se modificaram e assumiram a forma da máscara que haviam posto. Foster, por sua vez, está morto.
Há uma evidente lição de moral aplicada aos familiares de Foster, mas um olhar mais atento pode mostrar-nos que este não será porventura o ser humano ideal cujo exemplo os outros deveriam ter seguido. Podemos concordar que ele não tem uma personalidade detestável, como os seus visitantes, mas isso, vendo bem, é porque ele não tem personalidade nenhuma. A sua máscara era a da morte e, quando é retirada, podemos dizer que ele sofreu o mesmo destino que os outros, visto que morreu (tendo também sido forçado a adequar-se à sua máscara). Só que o seu rosto está igual, não houve mudança: ele, de facto, nunca viveu, e, por isso, nenhuma mudança faria sentido. O seu rosto já trazia o vazio da morte quando ele estava vivo. Nunca viveu como vive uma pessoa, foi sempre uma pessoa sem persona. Tudo o que dele conhecemos construiu-se na crítica aos outros, à sua família. Viveu apenas devolvendo-lhes o que eles eram, confrontando-os sem subterfúgios com o que eles lhe mostravam ser. Ele foi apenas, portanto, um espelho para os outros, apareceu sempre como mero reflexo do que os outros eram. E cumpriu o seu papel na perfeição, pois o encontro dos outros consigo obrigou-os a verem o que eram verdadeiramente. O que surpreende, em suma, é que ele teve de ser menos que pessoa – não pôde chegar a ser pessoa, não pôde ter uma persona própria – para poder ser juiz de pessoas.
O pecado da família de Foster foi o da cegueira deliberada: não queriam ver-se a si mesmos, encarar a sua fealdade, experiência que os teria forçado a mudar. Por isso, por não quererem ver um espelho que, abertamente, lhes mostraria a verdade de si próprios, essa confrontação teve de ocorrer disfarçadamente: o espelho onde se confrontaram apareceu escondido nos olhos de um outro. E foi através do espelho dos olhos de um outro que puderam finalmente ver-se a si mesmos.
O caso da neta – Paula –, podendo parecer que contraria o que aqui se diz, é na verdade um perfeito exemplo disto mesmo. Paula era extremamente vaidosa, estava permanentemente a ver-se ao espelho. Poderia pensar-se então que o que dissemos sobre a família de Foster não se lhe aplica: ela não temia o seu reflexo; pelo contrário, procurava-o em todos os momentos. Esta não é, no entanto, a leitura mais correcta do caso. Porque o olhar que Paula procurava no seu espelho era o seu próprio olhar. Paula não tinha consciência de que o espelho verdadeiro é aquele que nos devolve o olhar de um outro, aquele que nos mostra como somos vistos por um terceiro. Paula escondeu sempre esse olhar de um outro atrás do seu próprio olhar e, por isso, nunca se viu ao espelho verdadeiramente até ao momento em que o olhar de um outro forçou nela esse confronto consigo mesma.
É precisamente este jogo de espelhos e reflexos, de resto, que é traduzido no discurso de Foster sobre as máscaras. Com efeito, quando ele descreve as máscaras como adequando-se perfeitamente ao utilizador cuja personalidade seja o inverso da descrição que lhe cabe, há uma verdade profunda neste sarcasmo, que agora podemos compreender: isto é afinal tão correcto como dizer que o nosso reflexo no espelho, precisamente na medida em que é o inverso simétrico do que lhe apresentamos, é aquele que para nós é mais adequado. Porque, no fim de contas, se a Rainha Má, madrasta da Branca-de-Neve, tem razão em desconfiar do outro que o espelho lhe apresenta no seu reflexo, os personagens de "The Masks" aprenderam a lição inversa: no outro que o espelho nos devolve, somos nós mesmos que nos escondemos.
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