No "admirável mundo novo" de Aldous Huxley (Brave New World), a regra é a da satisfação imediata dos desejos e da procura constante de prazer. Um rapaz conta, por exemplo, a experiência "horrível" que teve quando uma rapariga demorou 4 semanas a aceder ao seu pedido para terem relações sexuais.
A dificuldade na separação relativamente ao que desejamos é um reflexo importante da incapacidade de nos distanciarmos em geral. Podemos ir mais longe e aventar que neste mundo as pessoas deixam praticamente de ser seres-para-si para se tornarem seres-em-si (para usarmos as categorias propostas por Sartre em L'être et le néant). A satisfação imediata dos desejos é tão real que implica a identificação com eles: a tragédia maior neste universo é a de as pessoas serem o que são.
Veja-se nesta linha, por exemplo, a reacção irritada de John, o "selvagem", contra Lenina, no capítulo 13: ela pretende simplesmente consumar o desejo que sente por ele, recusando, sem chegar sequer a compreender, os rituais simbólicos que ele quer instaurar antes da consumação. Para John, é precisamente nesses rituais que ele poderá encontrar (ou criar) o sentido da ligação entre eles, a própria possibilidade de se tornarem um casal. Lenina, ao invés, só tem desejo e nada mais. Ela gosta de John e só pensa nele – e isto já é estranho em relação à norma ("todos pertencem a todos", todos têm diversas ligações sexuais, prazeres que não se fixam, etc.). Mas não é ainda suficiente: Lenina gosta sem saber que gosta, não tem vocabulário para tal, não consegue distanciar-se, separar-se do seu desejo e do acto de consumação do mesmo. Ela quer resumir-se a tudo isso, identificar-se com os seus desejos e os seus gestos. Isto revela, claro, a sua má-fé: o propósito de viver como (se fosse) um ser-em-si, de se identificar com aquilo que é, como faz a generalidade das outras pessoas. De certa forma, podemos acusar Lenina de ser a personagem que revela a maior má-fé em todo aquele universo. Com efeito, diferentemente da generalidade das pessoas, que parece incapaz de deixar de ser aquilo que é (são seres-em-si, por assim dizer, genuínos), por um lado, e de outros como Bernard Marx e Helmholtz Watson, verdadeiros seres-para-si (incapazes de qualquer identificação com o que são ou sentem, mesmo fingida), por outro, ela está num meio-caminho em que pode e deve decidir lutar por assumir o distanciamento em relação ao que sente, em relação ao que é (e John, com os seus rituais, oferece-lhe essa oportunidade); mas opta antes por ser como a maioria, por se resumir ao prazer que procura e à própria procura do prazer.
Enquanto continuar de má-fé, Lenina não conseguirá verdadeiramente amar John e tornar-se a companheira de que ele precisa. Porque o amor para John constrói-se na distância, naquela separação em que a única ligação que resta é a do olhar: se não estamos separados não nos podemos ver, não podemos sequer ter a certeza de que existe alguém mais a não sermos nós e o nosso desejo, nós e o nosso prazer tão autista. Quando John encontra Lenina a dormir (sob os efeitos da soma que tomou depois de voltar da viagem com Bernard), ele deseja-a, mas não se atreve a tocar-lhe. É assim que eles são: Lenina não vive senão na superfície de si mesma, nela habita apenas o seu desejo e nada abaixo disso. Por isso ela dorme, está como morta. John, pelo contrário, está perfeitamente acordado e vivo: ele vive na negação do seu desejo. É precisamente a distância a que ele encontra Lenina – e porque essa distância só existe para ele na medida em que ele mesmo a constrói impondo-se a proibição de a tocar – que lhe confirma que está vivo. É negando-se a si e à sua vontade que John pode afirmar tudo o que nele habita. Lenina quer beijá-lo, tocá-lo: ela deseja-o e o desejo para ela é apenas um instinto que lhe indica a necessidade de se juntar a ele. John, ao invés, deseja-a também, mas por isso mesmo tem de ficar distante. Vive na separação de si mesmo e por isso o desejo é para ele muito mais que a consumação. Porque só pode viver na distância, é também apenas à distância que John pode amar.
A dificuldade na separação relativamente ao que desejamos é um reflexo importante da incapacidade de nos distanciarmos em geral. Podemos ir mais longe e aventar que neste mundo as pessoas deixam praticamente de ser seres-para-si para se tornarem seres-em-si (para usarmos as categorias propostas por Sartre em L'être et le néant). A satisfação imediata dos desejos é tão real que implica a identificação com eles: a tragédia maior neste universo é a de as pessoas serem o que são.
Veja-se nesta linha, por exemplo, a reacção irritada de John, o "selvagem", contra Lenina, no capítulo 13: ela pretende simplesmente consumar o desejo que sente por ele, recusando, sem chegar sequer a compreender, os rituais simbólicos que ele quer instaurar antes da consumação. Para John, é precisamente nesses rituais que ele poderá encontrar (ou criar) o sentido da ligação entre eles, a própria possibilidade de se tornarem um casal. Lenina, ao invés, só tem desejo e nada mais. Ela gosta de John e só pensa nele – e isto já é estranho em relação à norma ("todos pertencem a todos", todos têm diversas ligações sexuais, prazeres que não se fixam, etc.). Mas não é ainda suficiente: Lenina gosta sem saber que gosta, não tem vocabulário para tal, não consegue distanciar-se, separar-se do seu desejo e do acto de consumação do mesmo. Ela quer resumir-se a tudo isso, identificar-se com os seus desejos e os seus gestos. Isto revela, claro, a sua má-fé: o propósito de viver como (se fosse) um ser-em-si, de se identificar com aquilo que é, como faz a generalidade das outras pessoas. De certa forma, podemos acusar Lenina de ser a personagem que revela a maior má-fé em todo aquele universo. Com efeito, diferentemente da generalidade das pessoas, que parece incapaz de deixar de ser aquilo que é (são seres-em-si, por assim dizer, genuínos), por um lado, e de outros como Bernard Marx e Helmholtz Watson, verdadeiros seres-para-si (incapazes de qualquer identificação com o que são ou sentem, mesmo fingida), por outro, ela está num meio-caminho em que pode e deve decidir lutar por assumir o distanciamento em relação ao que sente, em relação ao que é (e John, com os seus rituais, oferece-lhe essa oportunidade); mas opta antes por ser como a maioria, por se resumir ao prazer que procura e à própria procura do prazer.
Enquanto continuar de má-fé, Lenina não conseguirá verdadeiramente amar John e tornar-se a companheira de que ele precisa. Porque o amor para John constrói-se na distância, naquela separação em que a única ligação que resta é a do olhar: se não estamos separados não nos podemos ver, não podemos sequer ter a certeza de que existe alguém mais a não sermos nós e o nosso desejo, nós e o nosso prazer tão autista. Quando John encontra Lenina a dormir (sob os efeitos da soma que tomou depois de voltar da viagem com Bernard), ele deseja-a, mas não se atreve a tocar-lhe. É assim que eles são: Lenina não vive senão na superfície de si mesma, nela habita apenas o seu desejo e nada abaixo disso. Por isso ela dorme, está como morta. John, pelo contrário, está perfeitamente acordado e vivo: ele vive na negação do seu desejo. É precisamente a distância a que ele encontra Lenina – e porque essa distância só existe para ele na medida em que ele mesmo a constrói impondo-se a proibição de a tocar – que lhe confirma que está vivo. É negando-se a si e à sua vontade que John pode afirmar tudo o que nele habita. Lenina quer beijá-lo, tocá-lo: ela deseja-o e o desejo para ela é apenas um instinto que lhe indica a necessidade de se juntar a ele. John, ao invés, deseja-a também, mas por isso mesmo tem de ficar distante. Vive na separação de si mesmo e por isso o desejo é para ele muito mais que a consumação. Porque só pode viver na distância, é também apenas à distância que John pode amar.
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