Durante o arco "Dressrosa" da série de animação One Piece (Eiichiro Oda), os Piratas do Chapéu de Palha chegam à ilha Dressrosa, governada pelo Schichibukai Donquixote Doflamingo, e encontram uma população composta por seres humanos e brinquedos vivos. Descobrem que esses brinquedos são na verdade pessoas transformadas por acção dos poderes especiais de Sugar, subordinada de Doflamingo, com o intuito de melhor controlar a população. Depois de convertidas em brinquedos, as pessoas são esquecidas pelos seus familiares e amigos e é como se nunca tivessem existido – para além de deixarem de ter vontade própria, pois os seus corpos de brinquedo obedecem a todas as ordens que recebem.
Não é surpreendente constatar que, uma vez brinquedos, as vítimas têm de obedecer aos comandos que lhes são dirigidos. Com efeito, um brinquedo é, por definição, destituído de vontade própria. Pode ser tudo o que se quiser, viver todas as aventuras, possíveis e impossíveis, realizar todo o tipo de feitos e sofrer todo e qualquer evento que possa ser imaginado – os seus limites são os da imaginação. Mas a vontade pertence sempre a outrem. Se o brinquedo está morto, é apenas porque é incapaz de imaginar: a sua vida mora na imaginação de quem brinca com ele.
Mais difícil de perceber, à partida, é a outra consequência da metamorfose: porque são as vítimas esquecidas por toda a gente depois de transformadas?
A sujeição trágica dos brinquedos ao esquecimento é bem ilustrada no filme Toy Story 2 (John Lasseter, Lee Unkrich, Ash Brannon), no qual o brinquedo Woody é raptado para ser vendido a um museu. Colocado perante a alternativa entre voltar ao seu dono – o qual acabará um dia por crescer e, muito provavelmente, abandoná-lo – e passar o resto de um tempo indefinido em exposição, Woody prefere a primeira opção, porque, no fim de contas, o destino de um brinquedo mora nas mãos das crianças.
A brincadeira é a vida possível de um brinquedo. Para este, uma eternidade passada numa montra, sem ninguém para lhe pegar ou brincar consigo, é, afinal, morrer. Cada brincadeira tem a sombra trágica que lhe desenham os limites da efemeridade. Brincadeira nenhuma é eterna e, por isso, a vida do brinquedo só dura enquanto as mãos da criança permanecerem suficientemente pequenas para brincar. Mas privar-se de toda e qualquer brincadeira, escapar à perda de quem lhe dava a pouca vida que podia esperar, essa seria a verdadeira morte para Woody. Não podemos morrer se não chegarmos a nascer – mas, no fim de contas, privar-se da morte é a morte mais definitiva de todas. Woody escolheu viver.
O brinquedo está condenado a lembrar a criança que desapareceu. A criança esquece, tem de esquecer, para continuar criança. Na verdade, se os brinquedos são abandonados, isso não se deve a que o seu dono, criança esquecida, os tenha olvidado. Pelo contrário, é precisamente porque deixou de ser criança que ele ainda os recorda. Os brinquedos lembram ao adulto a criança que ele foi e já não é, já não poderá ser nunca mais. A brincadeira, efémera por definição, traz sempre em si uma promessa impossível de eternidade: se for capaz de esquecer-se de si, a criança pode continuar criança. Se puder esquecer-se de crescer, ela continuará a ser quem é. A criança não cresce para parar de brincar; pára de brincar para crescer. O brinquedo é para o adulto a lembrança da promessa implícita na brincadeira que partilharam, a promessa que ele não cumpriu: nunca chegar a ser adulto.
Isto mesmo pode ser percebido a partir da história de Peter Pan (J. M. Barrie, Peter and Wendy). Wendy, Jane, Margaret e muitas outras lembram-se das aventuras que tiveram com o rapaz que não cresce, mas este não se recorda. Peter Pan esqueceu cada uma delas e assim tem de ser, pois só esquecendo ele pode continuar criança. Esquecer é a condição para poder continuar a brincar. São os adultos, como Wendy, quem recorda. Não o rapaz perdido.
Porque esquecem os habitantes de Dressrosa os familiares e amigos tornados brinquedos? Há um propósito agora muito claro neste plano: não se trata apenas de domesticar os novos brinquedos, transformados em instrumentos ao sabor de caprichos alheios. Trata-se também – ou talvez sobretudo – de tornar crianças as pessoas que agora com eles brincam, mas os esqueceram.
A sujeição trágica dos brinquedos ao esquecimento é bem ilustrada no filme Toy Story 2 (John Lasseter, Lee Unkrich, Ash Brannon), no qual o brinquedo Woody é raptado para ser vendido a um museu. Colocado perante a alternativa entre voltar ao seu dono – o qual acabará um dia por crescer e, muito provavelmente, abandoná-lo – e passar o resto de um tempo indefinido em exposição, Woody prefere a primeira opção, porque, no fim de contas, o destino de um brinquedo mora nas mãos das crianças.
A brincadeira é a vida possível de um brinquedo. Para este, uma eternidade passada numa montra, sem ninguém para lhe pegar ou brincar consigo, é, afinal, morrer. Cada brincadeira tem a sombra trágica que lhe desenham os limites da efemeridade. Brincadeira nenhuma é eterna e, por isso, a vida do brinquedo só dura enquanto as mãos da criança permanecerem suficientemente pequenas para brincar. Mas privar-se de toda e qualquer brincadeira, escapar à perda de quem lhe dava a pouca vida que podia esperar, essa seria a verdadeira morte para Woody. Não podemos morrer se não chegarmos a nascer – mas, no fim de contas, privar-se da morte é a morte mais definitiva de todas. Woody escolheu viver.
O brinquedo está condenado a lembrar a criança que desapareceu. A criança esquece, tem de esquecer, para continuar criança. Na verdade, se os brinquedos são abandonados, isso não se deve a que o seu dono, criança esquecida, os tenha olvidado. Pelo contrário, é precisamente porque deixou de ser criança que ele ainda os recorda. Os brinquedos lembram ao adulto a criança que ele foi e já não é, já não poderá ser nunca mais. A brincadeira, efémera por definição, traz sempre em si uma promessa impossível de eternidade: se for capaz de esquecer-se de si, a criança pode continuar criança. Se puder esquecer-se de crescer, ela continuará a ser quem é. A criança não cresce para parar de brincar; pára de brincar para crescer. O brinquedo é para o adulto a lembrança da promessa implícita na brincadeira que partilharam, a promessa que ele não cumpriu: nunca chegar a ser adulto.
Isto mesmo pode ser percebido a partir da história de Peter Pan (J. M. Barrie, Peter and Wendy). Wendy, Jane, Margaret e muitas outras lembram-se das aventuras que tiveram com o rapaz que não cresce, mas este não se recorda. Peter Pan esqueceu cada uma delas e assim tem de ser, pois só esquecendo ele pode continuar criança. Esquecer é a condição para poder continuar a brincar. São os adultos, como Wendy, quem recorda. Não o rapaz perdido.
Porque esquecem os habitantes de Dressrosa os familiares e amigos tornados brinquedos? Há um propósito agora muito claro neste plano: não se trata apenas de domesticar os novos brinquedos, transformados em instrumentos ao sabor de caprichos alheios. Trata-se também – ou talvez sobretudo – de tornar crianças as pessoas que agora com eles brincam, mas os esqueceram.